Wednesday, May 03, 2006

"Chamar as coisas pelos Nomes"

por J.A. Oliveira Rocha(*)

Tem-se afirmado que o saldo positivo desta Reitoria é a gestão administrativa. Esta afirmação tem que ser enquadrada e o seu conteúdo examinado com rigor do ponto de vista da gestão das organizações.
Está demonstrado, desde meados do século XX, que a burocratização duma organização ao serviço de uma lógica de eficiência administrativa tem consequências negativas no ponto de vista da produtividade, mesmo numa empresa de exploração mineira (Alvin Gouldner, 1954). Seria fácil demonstrar mais uma vez isto mesmo nesta universidade; e se continuamos a ter altos standards, isso deve-se à qualidade, à ética e à deontologia dos docentes e funcionários.
Na verdade, a “eficiência” administrativa está exclusivamente ao serviço do controlo. Ora, se é verdade, que no princípio do século XX (Fayol,1908) o controlo era em função de gestão, deixou de o ser definitivamente na década de 70 (Mintzberg, 1973). Este autor pura e simplesmente ridiculariza as competências da gestão substituindo-as por outras.


Na gestão pública o controlo foi também substituído por nova abordagem, tendo em conta o aparecimento dos estudos de liderança e o planeamento estratégico. Só para referir um clássico de gestão pública (Gordon, 1982), é definida a função do gestor público insistindo na ideia do líder como motivador/ coordenador/integrador/catalizador/inovador e porta-voz da organização para o exterior, solucionando conflitos e gerindo crises.
Além disso, veio repensar e enunciar de forma diferente as funções da gestão vistas do ponto de vista da estratégia. E a estratégia define-se tendo em conta cenários, discutindo, participando, flexibilizando e não burocratizando numa lógica neotaylorista e de linha de produção.
Ao fazer do controlo o objectivo da gestão, a organização perde o seu norte, anda à deriva: e nem é tão eficiente como isso, do ponto de vista administrativo, porque os processos, como se sabe, atrasam-se, os papéis perdem-se, as decisões são aleatórias, contraditórias, os trabalhadores (professores e funcionários) fazem o mínimo e a organização caminha rapidamente para a falência. Como dizia um teórico da gestão pública, trata-se do “triumph of techniques over purposes”.

De resto, instrumentos mais recentes de gestão, como o “Balanced Scorecard” acentuam esta ideia de necessidade de participação e secundarização à estratégia, como se pode ver pela própria definição: “É uma técnica para avaliar uma organização através da utilização de indicadores a partir de diferentes estratégias. Esse modelo implica que haja coordenação entre os objectivos de curto e longo prazo, entre a estabilidade e a mudança, assim como entre os processos internos e as relações com as partes interessadas exteriores à organização” (Kaplan e Norton, 1996).
Ora, apesar da defesa deste modelo de gestão, não se conhecem na Universidade do Minho indicadores, a estratégia não foi discutida, não houve reunião da Comissão de Planeamento e Gestão do Senado, não se conhece o Plano de Actividades da Universidade do Minho, obrigatório por lei, nem a definição de objectivos estratégicos (ver Resolução do Conselho de Ministros, 199/2005, de 29.12.2005), a distribuição do orçamento não assenta em linhas de acção, é discricionária e não obedece a quaisquer critérios (já que não existe accountability, hoje chave essencial em gestão pública).
Se lançarmos mão do CAF (Estrutura Comum de Avaliação) instrumento de avaliação da qualidade nas administrações públicas europeias, basta examinar o critério de liderança cujos indicadores constam do modelo:

· Excelência da prestação de serviços
· Promoção da mudança
· Gestão da mudança e modernização
· Actuação do organismo face ao quadro jurídico e regulamentar
· Responsabilidade democrática/prestação de contas
· Envolvimento dos trabalhadores
· Eficiência
· Capacidade de comunicar com o nível político
· Realização dos objectivos

Se se aferir o comportamento do actual Reitor na condução do processo de Bolonha por estes indicadores para julgar da sua liderança, o resultado é o que todos sabem.
Finalmente, a tentativa de afirmação de liderança regional tem evitado qualquer iniciativa de estudo do benchmarking de modo a definir com rigor a procura e o cálculo ajustado das propinas (estudos elaborados pela Universidade de Aveiro indiciam que a Univ. do Minho poderá perder cerca de 20% dos alunos por razões que têm a ver com a subida do valor das propinas).

Gestão das Universidades

Mas se é verdade que a neotaylorização das organizações não tem sucesso, isso é claro para a s universidades que não são propriamente fábricas de sabão.
A teoria organizacional mais recente define as universidades como estruturas burocráticas profissionais. Isto significa que são claras numa organização universitária duas estruturas:
1. a estrutura burocrática constituída pelos serviços administrativos
2. uma estrutura profissional que integra os professores.

A estrutura burocrática é instrumental da estrutura profissional, a qual persegue os fins da organização, isto é, o ensino e a investigação. No topo, está sempre um profissional, o Reitor, o qual desempenha também funções nas fronteiras da organização, relacionando-a com o poder político, associação de clientes. Neste modelo, citando Mintzberg, o controlo e planeamento são reduzidos, existindo descentralização vertical e horizontal.
É certo que a pressão do managerialismo tende a substituir este modelo por uma estrutura simples em que a gestão tradicional tende a profissionalizar-se, numa lógica de procura de eficiência.

Mas este Reitor foi mais longe, ao transformar a estrutura administrativa em estrutura principal, submetendo os profissionais (isto é, os professores) à sua lógica, através dum sistema de controlo. A Universidade transforma-se assim numa fábrica, em que as escolas funcionam como meras unidades de produção com objectivos que, de resto, nem sequer se definem como dissemos atrás. Para isso, torna-se necessário diminuir o peso e a importância das Escolas. Estas são, apesar de os Estatutos as tratarem como unidades orgânicas, meras estruturas administrativas, em que os secretários de Escola tendem a ser os controladores e representantes do Reitor nas Escolas. Este objectivo está bem patente no Regulamento de Avaliação dos Funcionários (SIADAP), bem assim como na tentativa de impor secretários de confiança às escolas.

Modelo Matricial

Mas o que é certo é que o modelo matricial criou condições favoráveis a esta tomada de poder e à descaracterização da Universidade do Minho. Nada que não estivesse previsto em muitos trabalhos académicos sobre o modelo de funcionamento da Universidade do Minho.
Há 20 anos, ainda antes da consagração estatutária do modelo matricial na Universidade do Minho, escrevíamos:
“No que diz respeito ao modelo matricial, verificou-se que o sistema tende a entrar em colapso nos períodos de recessão económica, devido à proliferação de directores, aos gastos de tempo para obter consensos e à ambiguidade geradora de lutas pelo poder e conflitos. Por exemplo, existe continuamente a eminência de conflitos entre directores de projectos, directores funcionais e directores de produto. Assim, no sentido de fazer funcionar o sistema, alguns autores apontam para a necessidade de um “godfather”, capaz de impor consensos e fronteiras, e evitar que os cheques e balanças imobilizem o sistema. Outros usam o termo “autoridade carismática”, mas parece mais adequado o termo “integrator”, usado por Lawrence e Lorsh, capaz de solucionar conflitos interdepartamentais e evitar a fragmentação” (Factos e Ideias, ano IV, nº7, 1988.)

Em 2002, escrevíamos que “Não existe uma estrutura correspondente a este modelo de governação (modelo da comunidade académica). Entendemos porém que o modelo matricial por projectos procura traduzir este modelo de governação. Na verdade, pretende-se a interacção entre os diversos grupos, de forma a chegar a consensos. Torna-se pois, óbvio que sem uma liderança forte, capaz de impor consensos e gerar uma cultura de desenvolvimento e de expansão, o sistema pode paralisar. Esta cultura está particularmente presente nas universidades novas, as quais, ao apostar no crescimento, adiam os conflitos” (Revista de Administração e Políticas Públicas, vol. III, nºs1/2, 2002).

Citando o texto anterior, em 2006, eu acrescentava “… mas parado o crescimento, diminuída a procura por parte dos alunos e mantendo-se as actuais regras do jogo (definidas pelo ECDU, sistemas de carreiras e financiamento), resta às Universidades, em especial às de modelo matricial, a autofagia de umas áreas sobre as outras e, em última análise, a centralização do poder nas reitorias” (Estudo e Ensino da Administração Pública em Portugal, Lisboa : Escolar Editora, 2005).

O modelo matricial só funciona bem em fase de desenvolvimento e expansão, e com uma liderança forte, que saiba construir consensos, apontar objectivos e envolver os profissionais, sublinhando o capital social das universidades.
Ora estas duas condições não se realizam. O processo de Bolonha veio pôr a nu a derrocada do modelo. O Reitor deu sinais contraditórios, atirou umas escolas contra as outras, sabotou o trabalho duns, alterou as ordens de trabalho, confundiu em vez de liderar, impediu a aprovação de novas propostas de 1º e 2º ciclo (que ocorreu noutras universidades). Ou seja, na verdade, matou o que restava do modelo, usando-o por vezes como instrumento de coacção política. E no vazio da desmotivação geral foi impondo, com a inércia da maior parte das Escolas, o autoritarismo e o controlo da máquina administrativa sobre os profissionais. As Escolas, de facto, desapareceram. Existe a Reitoria, o orçamento elaborado não se sabe com base em que critérios, e a máquina administrativa de controlo.

Em conclusão: ou a estrutura da universidade é objecto de uma reengenharia profunda, mantendo o Conselho Académico, mas discutindo o seu papel, o aumento de competências das Escolas, a articulação entre as unidades de ensino e de investigação e a administração, salvando-se alguns dos aspectos do modelo matricial, ou se faz simplesmente o funeral deste modelo, entregando-se o poder às Escolas e transformando o Senado em verdadeiro órgão de governo. Toda a política para o ensino superior ignora pura e simplesmente a especificidade do modelo matricial, tendo sido a Universidade do Minho sistematicamente prejudicada, quer no financiamento, quer na avaliação. Os avaliadores externos não percebem como funciona, quem tem a responsabilidade, como se decide, e quais são os custos de cada aluno.

Em conclusão, o modelo estatutário da universidade é hoje um fardo que a prejudica e prejudica o seu desenvolvimento e a estratégia das suas escolas. É urgente que o debate sobre a estrutura da Universidade se faça, no sentido de uma reengenharia, possibilitando a aumento das competências das Escolas, a articulação entre as unidades de ensino e de investigação e a administração, maior rapidez nos processos de decisão.

Embora seja necessário um administrador, do que a Universidade do Minho precisa realmente é de um Reitor. Que crie consensos, que motive e inove, que potencie o capital social acumulado, que lidere a Universidade no processo de mudança que se inicia, que lhe dê destaque externo. É exactamente isso o que o Professor Moisés Martins pode realizar.

J.A. Oliveira Rocha
Professor de Gestão Pública e Políticas Públicas

1 Comments:

At 1:12 PM, Anonymous Anonymous said...

Texto muito interessante e oportuno, que torna claro quanto é uma necessidade vital (re)pensar a nossa universidade. E que mostra também, como tem estado patente, que é nesta candidatura que está essa capacidade de reflectir e promover e reflexão. Diz o Professor Oliveira Rocha que «As Escolas, de facto, desapareceram. Existe a Reitoria, o orçamento elaborado não se sabe com base em que critérios, e a máquina administrativa de controlo».…Muito bem visto!
Interessante notar que é um estudo da Universidade de Aveiro que vem chamar a atenção para as nefastas consequências de aspectos da política da actual equipa reitoral na UM.
A universidade é uma instituição científica onde, como bem mostra este texto, a motivação e o nível de satisfação das pessoas têm uma importância fulcral. À opacidade do poder é preciso contrapor a transparência e comunicação. Estando muito patentes, no debate que esta candidatura desencadeou, temas como o autoritarismo, o medo, o controlo, etc. vale a pena citar Bhom e Peat:

«Em boa verdade, esta análise da comunicação tem de ser levada à estrutura global das relações humanas. Por exemplo, o medo e a desconfiança podem ser gerados por linhas rígidas de autoridade, falta de segurança laboral e ansiedade (...). Todos estes factores contribuem para afogar os sentimentos de confiança mútua, boa vontade e amizade, tão necessários para a livre fruição e troca aberta de ideias» (Bohm & Peat, 1989: 96).

BOHM, D. & PEAT, D. (1989); Ciência, Ordem e Criatividade, Lisboa: Gradiva.

 

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