Thursday, April 13, 2006

Primeira entrevista à imprensa regional

Parte I
Moisés Martins, candidato a reitor da Universidade do Minho
Esta reitoria pratica a auto-flagelação


Apoiou Guimarães Rodrigues há quatro anos, mas acusa agora o reitor da Universidade do Minho de autoritarismo e de não ter conseguido afirmar externamente a instituição. O sociólogo Moisés Martins, na primeira grande entrevista após ter anunciado a sua candidatura à reitoria, acusa a ausência de debate no Senado e no Conselho Académico.
Moisés Martins critica a actual equipa reitoral por não ter cumprido a promessa de democratizar a eleição do reitor. Assume agora que se as eleições do dia 31 de Maio “fossem abertas”, garantia uma maioria expressiva. Diz que à Universidade do Minho falta ainda uma Escola de Artes e recusa protagonizar uma contenda entre as Ciências Sociais e as Engenharias. Caso seja eleito, Moisés Martins promete ter uma participação mais incisiva no Conselho de Reitores, órgão que considera estar nas mãos da tutela governativa.

Correio do Minho: Justificou a sua candidatura a reitor da Universidade do Minho (UM) com a necessidade de um sobressalto académico e cívico. Tendo em conta que até há bem pouco tempo se perspectivava uma candidatura única, acha que já cumpriu esse objectivo?

Moisés Martins: Não. Na tradição da Universidade portuguesa, é normal que o reitor que concorre ao segundo mandato tenha o consenso da sua Académica, que concorra sem oposição interna. Acontece que o consenso há que o merecer, não há consenso que não seja pelo debate. De facto, esta reitoria exprime um grande enviesamento autoritário da instituição.

CM: Ficou surpreendido com essa situação, uma vez que apoiou o actual reitor há quatro anos?

MM: Apoiei o professor Guimarães Rodrigues porque a equipa por ele liderada e o programa por ele apresentado levantaram muitas expectativas, mobilizaram muito a Academia. Foram as ideias que aquela equipa corporizava que ganhou a Academia. Eram ideias de uma cultura participativa. Ora, a prática significou um enviesamento total.

CM: Como se revela isso na prática?

MM: Podia começar por dizer essa coisa curiosa: a última proposta do programa de Guimarães Rodrigues era a democratização da eleição do reitor. A UM tem 15 mil estudantes, cerca de 1500 professores, 700 ou 800 funcionários, e são cerca de 80 pessoas de um colégio restrito de representantes que votam o reitor. Veja que até os partidos políticos do poder fazem “directas”.

CM: Defende um modelo semelhante para a eleição do reitor?

MM: Não digo isso. O que quero dizer é que democratizar a eleição do reitor significa fazer participar mais os interesses académicos, pedagógicos e científicos. Fazê-los exprimir numa assembleia.

CM: Alargar a assembleia eleitoral?

MM: Tal e qual. A verdade é que esta reitoria ainda constituiu uma comissão para a reforma dos estatutos, mas que não se pronunciou sequer sobre a eleição do reitor. Este é um primeiro aspecto que tem a ver com promessas, com o levantamento de expectativas, com a mobilização de vontades. Mas, concretamente, como é que se verifica o enviesamento autoritário da instituição? Vamos falar do órgão principal da Universidade que é o Senado. O Senado define as linhas estratégicas de desenvolvimento da Universidade. Acontece que esse órgão foi completamente esvaziado de funcionalidade pela criação de um Conselho Estratégico. Posso dizer que não tem mal que um reitor se abra para fora da Universidade e se crie um Conselho Estratégico, qualquer escola da Universidade do Minho pode fazer isso, mas converter o Conselho Estratégico em órgão directivo, isso é que não. Neste momento, no Senado, não se discute nada. O facto de se reunirem os órgãos não significa que se promova uma cultura de participação, uma cultura de debate. No Senado, comunicam-se disposições. Veja um órgão que não é estatutário, mas que era a primeira proposta desta reitoria: um Conselho de Escolas. Foi criado, mas foi completamente enviesado. Seria para auscultar as escolas, mas a lógica é completamente outra: o reitor comunica as suas decisões e entra-se em diapasão, em caixa de ressonância. Um presidente de Escola não participa na definição da agenda. Quando os presidentes de Escolas perceberam que não era assim que o Conselho devia funcionar, pronunciaram-se por duas vezes no sentido de intervir no processo, mas não tiveram eco nenhum.

CM: É uma voz isolada nestas críticas?

MM: Não. Qualquer presidente de Escola lhe dirá que não há uma efectiva participação no debate académico, que o Senado não tem as funções que deveria ter, que o Conselho de Escolas não funciona como deveria funcionar. Veja o caso do Conselho Académico: é um órgão enorme com dezenas largas de pessoas, com muitos alunos. O seu equilíbrio difícil foi conseguido no passado, agora não porque quanto maior é um órgão, mais propício é a que possa ser utilizado de uma forma autoritária. Tal como no passado um bispo se tomava pela Igreja, assim aqui o reitor se pode tomar pela Universidade. O Conselho Académico significa o grau zero do debate académico.

CM: Essa postura autoritária que diz existir na actual equipa reitoral manifestou-se quando?

MM: Eu e muita gente começou a notá-la quase no momento da tomada de posse. O programa eleitoral de Guimarães Rodrigues não era a proposta de um homem, era a de uma equipa. Muito depressa se soube que essa equipa não funcionava. Essa equipa era o reitor e mais dois e depois passou o reitor e mais um. A equipa não se reunia.

CM: Quando diz “o reitor e mais um” está a falar de quem?

MM: Prefiro dizer assim. Dizer assim é suficiente. Todos os sinais públicos foram no sentido de nunca ter funcionado a equipa. Isso foi uma prática que o coordenador da equipa impôs. Por isso é que eu digo, no meu manifesto, que é uma prática de rolo compressor. Os sinais de mau estar começaram logo no interior da própria equipa. A cultura participativa foi só em campanha. Ao fim de um ano saiu um vice-reitor, passado mais um tempo saiu um segundo. A questão foi sempre a mesma: falta de debate. É público que fui apoiante desta equipa por causa das ideias, por causa do projecto que era de participação. A primeira proposta, a do Conselho de Escolas, é um equívoco; a última proposta não é um equívoco, é uma coisa pior, é uma falta clara a uma promessa: a de democratizar a eleição do reitor.
(continua…)

Texto: José Paulo Silva
Fotos: Rosa Santos


(publicado na edição de 13 de Abril do "Correio do Minho", página 4)



1 Comments:

At 3:35 AM, Anonymous Anonymous said...

Parabéns ao Professor Moisés Martins pela coragem de por a Academia a pensar!
Todavia, não posso deixar de o interpelar nesta questão: afinal de contas, defende ou não defende a "democratização" (= participação de todos os docentes, alunos e funcionários no processo) da eleição do Reitor? É que - e perdoe-me por colocar as coisas deste modo tão directo - não consegui perceber claramente (após a leitura da entrevista) qual a posição que mantém a este respeito.

 

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