Monday, April 17, 2006

Primeira entrevista à imprensa regional

Parte IV
Conselho de Reitores está nas mãos do governo
Ensino Superior está barricado à espera de um abanão mais forte

CM: Já escreveu que a actual reitoria caiu no equívoco de pensar que a UM pode liderar a sociedade civil. Quando fala nisso está a pensar no Pacto de Desenvolvimento Regional, que foi mais ou menos liderado pela UM?

MM: Estou a pensar em várias coisas, mas mais concretamente na ideia do Minho Região de Conhecimento. É uma ideia generosa e cheia de virtualidades, mas onde espreitam alguns equívocos. A centralidade académica são os professores, os alunos, os funcionários, os projectos pedagógicos. Claro que isto não é propriamente um convento, vive-se para fora da Universidade e inscreve-se no tecido regional. A Universidade pode ser um parceiro, mas o equívoco é pensar que a Universidade, a páginas tantas, pode ser expressão da sociedade civil, isto é, que pode liderar a sociedade civil por se imaginar que se tem um grande projecto. Mesmo que se tenha uma grande ideia, esta tem de ser acolhida pela sociedade civil e por aqueles que a representam. Liderar a sociedade civil numa Democracia não há ambiguidade possível: são os partidos e as associações cívicas.

CM: Mas o conceito de Região do Conhecimento é mais ou menos consensual na sociedade civil. O erro é a Universidade andar à frente dessa bandeira?

MM: A questão não é essa. Esta ideia deve ser partilhada pela sociedade civil, a Universidade não pode empurrar porque assim o reitor vai ser uma espécie de presidente de Câmara.

CM: Considera que foi isso que se passou com o Pacto de Desenvolvimento Regional, que deu no que deu ou no que não deu?

MM: Diz bem. No equívoco, a gente não sabe muito bem o que dá ou deixa de dar.

CM: Quer dizer que neste processo o reitor da UM se colocou na posição de um presidente de Câmara?

MM: Não há dúvidas sobre isso. Eu diria que se sobrepôs. A sua ideia contendia com a ideia de Braga Capital Europeia da Cultura.

CM: O actual reitor foi mais um actor político?

MM: Não. Eu diria que política académica é uma coisa que um reitor deve fazer. Mas quem é que pode mobilizar a sociedade civil? As ideias da Universidade podem ser propostas à sociedade civil, mas uma ideia hegemónica é um equívoco. O que temos visto nestes anos últimos é as ideias generosas da UM serem envenenadas pelo equívoco.

CM: Escreveu também sobre a necessidade de não agitar o fantasma da incompreensão do Governo e de não lamentar os azares. A UM não tem razões de queixa do poder político?

MM: Tem. A UM não pode sofrer os efeitos de uma decisão discricionária que a prejudica. Se isso acontece, o reitor não deve apenas dizer ao Governo e à Academia que está muito magoado. Esta reitoria praticou a auto-flagelação. Um exemplo: como acontece com as listas eleitorais, há muitos alunos que já não estão no activo. A lei estipula que um aluno que não paga propinas há um ano fica fora do sistema. Simplesmente, é prática corrente das universidades não os colocarem fora do sistema. Que sentido é que teve a nossa reitoria retirar 600 alunos? Apanhou o equivalente de corte financeiro. O que reconheço é que todos os anos perdemos financiamento e todos os anos a UM entende que isso é uma injustiça. Por que é que essa injustiça recai sobre a UM e não recai sobre as outras universidades? A reitoria não se afirma junto da tutela, é inábil. Por isso é que eu digo que há vitórias internas e desgraças externas. Em relação a anteriores reitores de grande expressão nacional, nós perdemos incomparavelmente.

CM: Se for eleito terá uma posição de maior firmeza perante o poder político?

MM: Trabalharei no sentido de fazer afirmar a UM como grande universidade que é no plano nacional e internacional, mas que se faz respeitar pela tutela.

CM: Como antevê a UM, passada que está a fase de grande crescimento?

UM: O momento é de consolidação. Esta reitoria tem trabalhado no sentido de internacionalizar a produção científica. Acho esta uma ideia grandiosa, mas nós nunca devemos desenvolver uma Universidade de pensamento único. A Universidade é feita da diversidade das suas escolas. Há culturas científicas diferentes. Quando se fala da cultura portuguesa e da política da língua, este trabalho científico tem que ser feito em Portugal. A afirmação internacional da investigação que se faz na UM não é necessariamente feita em Língua Inglesa. Esta ideia de diversidade deve estar presente na ideia de internacionalização da investigação universitária, e não está.

CM: Está a dizer que a reitoria não proporciona as mesmas condições a todos os investigadores?

MM: Na equipa que está a trabalhar comigo há tantas pessoas da área da Engenharia como das Ciências Sociais. O que eu estou a dizer é que há regras distintas no universo do pensamento científico. Uma grande Universidade exprime a diversidade das áreas e respeita-as. Eu tenho grandes amigos na Escola de Engenharia, como há-de ficar patente. A verdade é que esta equipa reitoral tem dois homens das Ciências Sociais e Humanas, mas eu não sei desselar enigmas. Tenho dificuldade em compreender que bons amigos, homens que conhecem as ideias e as instituições que fizeram a Europa grande podem pactuar com uma cultura autoritária. Isto para mim é um enigma que não sei desselar.

CM: EM termos de ofertas de formação, nota ainda carências na UM?

MM: Sem dúvida. Se olharmos para o figurino da Universidade do Minho, falta uma Escola de Artes. É um projecto antigo a que esta reitoria não deu expressão. Entendo que uma grande Universidade tem que se afirmar no domínio das artes. Não só nas artes tradicionais, mas também nas artes tecnológicas. Na proposta desta reitoria, a Escola de Artes lá se encontra, mas a verdade é que não fez nada para concretizar esse projecto. A minha ideia passa por aí, mas isto não é uma promessa eleitoral porque é um dossier que eu não trabalhei ainda. Bolonha devia ter servido para repensar a ideia de Universidade, a sua missão, a sua oferta educativa, que se saísse por cima de envenenamentos em que o debate se encontra dentro das escolas. As escolas têm docentes e fazem estratégias defensivas para manter os docentes que têm. Do ponto de vista da racionalidade da oferta nada se fez dentro da UM. A reitoria foi incapaz de promover um debate com as escolas para que estas saíssem do seu próprio envenenamento, do seu próprio entorpecimento. Não havendo uma ideia da reitoria, as escolas procuram apenas planos de sobrevivência. Não são planos de Bolonha, mas planos para defender os professores em risco de ficar fora do sistema por causa de Bolonha. Neste momento não se vêem os benefícios de Bolonha, só se vêem más consequências. Ora, Bolonha não poder ser isso. Há culpas das reitorias em geral, há culpas da tutela, mas eu culpo este CRUP de não ter sido capaz de fazer ouvir a sua voz.

CM: Se for eleito, a sua participação no CRUP vai ser incisiva?

MM: Naturalmente, trabalharei por um colectivo de engrandecimento e de dignificação do CRUP. Qualquer Governo não pode deixar de ter nas suas políticas para o Ensino Superior a participação do CRUP. Eu não vejo o que é que o CRUP faz na definição das estratégias para o Ensino Superior. O CRUP está nas mãos da tutela. O Ensino Superior está dentro de ameias à espera de um abanão mais forte, temendo o pior, sem estratégia e sem antecipação.

Texto: José Paulo Silva
Fotos: Rosa Santos

(publicado na edição de 13 de Abril do jornal “Correio do Minho”, página 8)

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