Thursday, April 27, 2006

"O compromisso que estabeleço com a Universidade"

Texto da declaração do Prof. Moisés de Lemos Martins, na sessão de apresentação à Universidade da sua candidatura ao cargo de Reitor da Universidade do Minho:


Caros docentes, funcionários e alunos,

É do vosso conhecimento que são razões cívicas e razões académicas que me decidiram a candidatar-me à Reitoria da Universidade do Minho.

Dobrada pelos ditames de um governo autoritário e amortalhada em silêncio, a nossa Universidade está hoje de ombros caídos. As expectativas que a actual Reitoria fez surgir em nós, há quatro anos, estão todas por terra. Desfez-se a equipa que então votámos. E foi mesmo um equívoco termos imaginado que estávamos perante uma equipa. O projecto desfez-se num ápice ao sofrer logo no começo uma entorse autoritária. Para um lado ficaram os senhores do Paço e para o outro a Academia. Hoje, temos uma Universidade triste, medrosa e de voz acorrentada.

Contra a cultura autoritária que a todos intimida e empobrece a Academia, é meu compromisso bater-me pela promoção de uma efectiva cultura da participação na gestão académica da Universidade, um cultura que envolva toda a comunidade académica, docentes, alunos e funcionários. Não se trata aqui de polir ou de fazer reluzir velhas palavras. O meu propósito é o de procurar criar convosco palavras novas. E é o de procurar também que nos persuadamos uns aos outros a servirmo-nos delas.

Uma Academia de cultura autoritária é sempre uma Academia empobrecida. Mas mais grave, é sobretudo uma Academia de falência pedagógica. A cultura do medo e a cultura da passividade são falências pedagógicas. E é assim que eu vejo a nossa Academia, uma Academia acossada, aflita e empobrecida, uma Academia de silêncio, com os órgãos académicos em défice democrático, onde o debate não passa de um arremedo e de uma caricatura, onde o debate não passa de um simulacro de exercício de cidadania.

Houve um tempo em que o deserto era para os leprosos, os possessos, os que mereciam castigo, os excluídos. Figurado como um lugar de tentações, o deserto era um lugar de onde dificilmente se saía com vida. Mas nos nossos dias, o deserto deslocou-se e invadiu parasitariamente as nossas vidas. E até na Universidade o deserto nos parasita a existência. Temos que contar, todavia, com o que existe e devemos procurar aí um lugar para habitar.

É possível perguntar, mas como despertar para a aventura, se o nosso tempo é hoje mais de ameaça que de esperança? Como respirar o tempo presente, se é a nossa vida toda que parece hoje incendiada em guerra e aflição?

Cada época tem de tentar de novo, tem de tentar sempre, erguer-se quando se encontra prostrada. E é porque a Universidade se instalou no fechamento de uma cultura autoritária, no conformismo de uma cultura da passividade e no ensimesmamento de práticas de mera eficiência administrativa, que é necessário questionar hoje este tranquilo silêncio. Um Senado esvaziado da sua funcionalidade, em favor de um Conselho Estratégico. Um Conselho Académico inerte, com um arremedo de debate. Um Conselho de Escolas que é mera uma caixa de ressonância da Reitoria. O silenciamento do UMjornal, um jornal premiado, que serviu de modelo para o jornal que acaba de ser lançado pela Universidade de Coimbra. A censura do debate académico na intranet…

Bem sei que somos feitos de expectativas, resistências, tradições e traições. E sei que somos também um lugar de afectos e de alianças. Mas porque é sempre de ida a nossa viagem, é na ida que está a particular fulguração da nossa vida. Ora, esta Reitoria fixou-nos num passado de práticas autoritárias. Não fazendo caminho connosco, atraiçoou a nossa confiança. E quem frustra as nossas expectativas e desmerece da nossa confiança não deve ter o seu mandato renovado.

Esta Reitoria prometeu democratizar a eleição do Reitor. Podendo fazê-lo e devendo fazê-lo, quebrou a promessa.

Lançou-nos entretanto para desafios desencontrados. Do Pacto Regional apenas lhe conhecemos o equívoco. Dos Cursos de Reconversão para jovens licenciados desempregados apenas lhe conhecemos o descabido desperdício de energia. Sem rumo, a Universidade perdeu então a reabertura do ano escolar.

Entretanto, com os projectos Sociedade de Conhecimento e Futuro 2010, do Ministério da Ciência, a Universidade voltou a ser lançada desaustinadamente para a frente, sem outro rumo que o de um enorme equívoco, nem outro resultado que o de uma hemorragia de energias em pura perda.
Com Bolonha, a Universidade viu-se também e ainda hoje se vê à deriva, tendo a Reitoria desertado da sua responsabilidade de condução do processo. E a mesma coisa aconteceu com o novo sistema de avaliação dos funcionários, o SIADAP. Eximindo-se a cumprir a sua obrigação de condução deste processo, a Reitoria permitiu que os funcionários dos serviços fossem avaliados de uma maneira e que os funcionários das Escolas fossem avaliados de modo diferente, lesando-os injustamente.
Depois, esta Reitoria tem-nos feito perder capacidade orçamental todos os anos. Da primeira vez fomos penalizados em quatrocentos mil contos por caturrice e inépcia. Da segunda vez foi por mero exercício de auto-flagelação que vimos o orçamento decrescer o equivalente à imprudente limpeza das listas dos alunos inscritos. Nos últimos anos o orçamento da Universidade do Minho tem continuado a decrescer os dois e meio por cento da ordem.

Naquilo que verdadeiramente conta, não há retorno numa vida. Só há ida. É sempre de ida o caminho que nos espera. E o que se passa com as nossas vidas, passa-se com a Universidade. Corpo que somos em viagem, estamos a caminho. E numa Universidade, somos sobretudo vivos navegantes das viagens do conhecimento. Mas como essas viagens são viagens que não acabam nunca, não podemos contentar-nos com uma ideia de Universidade que se esgote em práticas de eficiência administrativa e burocrática. Uma grande Universidade faz-se apenas com um pensamento superior.

Há momentos na vida das instituições que podem constituir-se em afluente de todas as memórias e em caminho de todos os encontros. É assim que eu penso este momento em que a Universidade se prepara para eleger um novo Reitor. Sinto, todavia, que para esta viagem nunca ninguém possui por inteiro o fogo, a água e o caminho. O momento da eleição de um Reitor deveria ser tempo de renascimento para a Universidade. Em momentos como este a Universidade deveria receber o lume e a água para o caminho. Mas são os muros do silêncio e do controlo que eu vejo erguidos na minha Universidade. Lanço-vos um repto, meus amigos. A Universidade do Minho não pode perder o desafio do seu futuro. Cabe-lhe vigiar e perseverar. E sobretudo cabe-lhe ser forte, cabe-lhe combater o bom combate, sem nunca perder a fé.

Penso que o que importa hoje à nossa Universidade é retraçar-lhe a história, reformular-lhe as funções e experimentar novas articulações. Importa hoje à Universidade repensar a sua missão.

O interesse pela singularidade, a atenção pela complexidade e a paixão pela prospectiva, é esse lugar de promessa que temos que arrancar ao deserto desta nossa existência universitária.

Caros docentes, funcionários e alunos, um Reitor não deve ser antes de mais nada um senhor do Paço, nem o gestor de uma máquina administrativa, de costas voltadas para a Academia. Deve ser sim um académico. E como académico, o Reitor deve ser um habitante do Campus universitário, deve viver e sentir os problemas e as alegrias dos docentes, os problemas e as alegrias dos alunos, os problemas e as alegrias dos funcionários. Nos tempos difíceis que são hoje os do Ensino Superior, um Reitor deve ser antes de mais nada uma voz de proximidade na comunidade académica, que lhe dê ânimo quando ela enfraquece e lhe dê esperança quando os caminhos de futuro parecem tapados.


Caso seja eleito, o compromisso que estabeleço com a Universidade para o imediato é o seguinte:

- Antes de mais nada, é meu propósito lançar e concluir logo no primeiro ano de mandato o processo de democratização da eleição do Reitor, que hoje é uma eleição legal, mas completamente imoral;

- Proponho uma presença reitoral permanente nos campi universitários de Gualtar e de Azurém. Para Azurém, proponho mesmo a presença permanente de um Vice-Reitor;

- Proponho uma Reitoria de porta aberta nos campi um dia por mês, para ouvir docentes, funcionários e alunos;

- Proponho a redignificação do Senado como órgão superior que define e estabelece a estratégia de desenvolvimento da Universidade;

- Proponho trabalhar no sentido de credibilizar o Conselho Académico, repensando com a Academia a sua constituição e o seu funcionamento;

- Proponho a criação do lugar de administrador da Universidade;

- Proponho que os campi universitários sejam espaços abertos à comunidade e que tenham vida própria para lá do horário da aulas, combatendo do mesmo passo a atmosfera deprimente que se apossa dele aos sábados de tarde e aos domingos, e também todos os dias úteis depois das vinte horas.

- Proponho a animação social e cultural dos campi. Estudarei a abertura dos campi em horário nocturno, com bibliotecas e serviço de restauração garantidos, para acolher novos projectos de ensino, quer com públicos tradicionais, quer com novos públicos.

- Trabalharei com a Associação Académica no sentido de trazer de imediato a Rádio Universitária para o Campus de Gualtar. E estudarei a cedência gratuita de estruturas instaladas nos campi, como, por exemplo, os anfiteatros, para realizações culturais propostas pela comunidade.

- Repensarei o modo de utilização dos anfiteatros para actividades académicas, alterando a estratégia mercantil e empresarial que hoje se lhes aplica.

Caros docentes, funcionários e alunos, é este o compromisso que estabeleço com a Universidade nos seus aspectos fundamentais.


27 de Abril de 2006.

1 Comments:

At 1:42 AM, Anonymous Anonymous said...

O Prof. Moisés estará certamente animado das melhores intenções. Apesar disso, conta entre os seus apoiantes alguns execráveis ditadores (eu conheço-os bem!).

 

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