Sunday, May 07, 2006

"Desafios de Bolonha na UM: por uma Aprendizagem de Qualidade"

Alberto José Proença

Projectos académicos e actividades de acompanhamento do chamado "processo de Bolonha" - como o Tuning e o TRENDS - têm produzido documentação de análise e de referência para avaliação do impacto deste processo nas diferentes áreas do saber e para cada um dos países. As medidas que têm provocado maior debate relacionam-se com o número e duração dos ciclos de estudo (e respectivo financiamento), as questões da empregabilidade (particularmente com um 1º ciclo curto) e a homogeneização das qualificações obtidas em cada um dos ciclos (fomento da mobilidade transeuropeia); por outro lado, as instituições investiram também na contabilização e registo do esforço dos estudantes - suportado pelo regime de acumulação e transferência de créditos ECTS - e consequente suplemento ao diploma.

Mas o verdadeiro desafio que Bolonha coloca à comunidade académica é o da transição eficaz de um paradigma de ensino assente no docente, para um de aprendizagem centrado no estudante, onde predomine o processo de aquisição de competências sobre o tradicional processo de aquisição de conhecimentos. Este desafio já se anunciava no relatório do TRENDS IV:
"While changes to the length of studies can be described easily, measuring their significance and their impact requires much greater and more sophisticated analysis: for example, (...) the implications of a pedagogical shift to student-centred learning."

Uma análise séria destas implicações é crucial para melhorar a competitividade da oferta formativa na UM, lutando pela excelência em todas as suas vertentes: nas "matérias primas" que recebe anualmente (capacidade de atrair os estudantes mais empenhados), no processo de "transformação dessas matérias" (nas metodologias de ensino/aprendizagem e na participação dos docentes e estudantes) e na gestão integral do processo formativo (estratégia institucional clara e participada, com consequente apoio/investimento e avaliação).

A UM encontra-se numa posição privilegiada para atrair estudantes: no centro da região portuguesa mais nova e mais densamente povoada. Mas tem perto um forte competidor pelos melhores estudantes (no Porto), e que tem demonstrado recentemente melhores capacidades. Uma inversão desta posição passa obrigatoriamente pelas outras duas vertentes, cujo controlo está na UM. E uma melhor qualificação dos seus graduados contribui certamente para uma melhoria da qualidade da imagem institucional, com os consequentes reflexos na atractividade dos melhores estudantes.

Importa assim identificar claramente as áreas de intervenção da UM que permitam reforçar a sua competitividade na oferta formativa. Eis algumas sugestões para um debate participativo na academia:

Nas metodologias de ensino/aprendizagem:

(i) caracterizando os factos críticos no processo formativo a pedirem correcção,
(ii) identificando os objectivos pedagógicos globais para cada um dos anos de formação (com destaque para o ano de inserção na universidade e para as competências transversais);
(iii) analisando criticamente as práticas actuais nas diferentes áreas do saber (de forma a divulgar e promover aquelas que a comunidade considere mais adequadas e eficientes para a prossecução dos objectivos pretendidos);
(iv) delineando estratégias para ultrapassar as actuais limitações na formação dos estudantes, reduzindo ainda as taxas de abandono;
(v) garantindo uma coesão entre os objectivos de formação, os resultados esperados da aprendizagem e os métodos de avaliação adoptados (quer a formativa, quer a sumativa).

Na participação dos docentes e estudantes nestes debates e no delinear participativo de estratégias, onde cada uma saiba claramente o seu papel e como contribuir para a melhoria efectiva da qualidade da aprendizagem:

(i) diversos docentes têm vindo a realizar experiências pedagógicas na UM, nas suas várias frentes científicas (das ciências exactas às humanidades, passando pelas engenharias e pelas ciências da vida), mas a comunidade como um todo não tem sentido que exista um debate sobre os diversos modelos e respectivas implicações, que extravase o modelo defendido por uma dada Escola de forma autista;
(ii) muitos estudantes ainda não assumiram a transição de uma atitude passiva (de simplesmente "ouvir&decorar" para depois "despejar" no exame) para uma mais activa (de "apreender&pensar&comunicar").

Definição de uma estratégia institucional clara e participada:

(i) modelo global de formação a usar na UM (um modelo liberal como em Harvard, ou mais recentemente adoptado pela Universidade da Madeira, ou no outro extremo, um modelo tecnicista centrado exclusivamente na formação técnico-científica na área estreita de um saber, como parece ser a tendência actual na UM?);
(ii) visão segmentada/holística na aquisição de competências transversais (como fomentá-las: através de unidades curriculares específicas, como adoptado na Universidade da Madeira, ou incluída explicitamente em resultados de aprendizagem e devidamente avaliadas, como se tentou na recente reformulação de algumas licenciaturas da UM?);
(iii) transição do ensino secundário para o universitário (definição de metas e objectivos, processos, métodos e recursos).

Apoio, investimento e avaliação institucional da transição para o novo paradigma de Bolonha:

(i) caracterização dos recursos críticos (espaços de trabalho colectivo não anónimo, apoio das TIC mas sempre complementado com reforço de recursos humanos personalizados, ...);
(ii) valorização da actividade pedagógica dos docentes, quer sob a forma de prémios, subsídios ou contratação de monitores (para compensação dos seus prejuízos em actividades de I&D, e de incentivo a idênticos investimentos de outros docentes);
(iii) clarificação dos moldes em que a avaliação de todo o processo se irá realizar.

Estão aqui levantadas algumas questões que carecem de um sério debate envolvendo toda a academia, com várias frentes. Várias destas questões de índole pedagógica foram já amplamente debatidas na década de 90 no Reino Unido, e Australásia, existindo um rico manancial de documentação de apoio, o qual carece de uma adaptação à realidade dos estudantes e das instituições portuguesas. Outras questões continuam ainda actuais, conforme os seguintes excertos do relatório do TRENDS IV:
"In re-designing more student-centred curricula, institutions must foresee that students will need more guidance and counselling to find their individual academic pathways in a more flexible learning environment. (...) These changes do not only demand rethinking curricula and staff development but also result in a considerable demand for additional guidance and counselling services, as well as for new forms of tutoring and assessment."
"In several countries, there is a high risk that concepts and tools such as student-centred learning, learning outcomes, and modularisation in curricula development, and the link to ECTS and the Diploma Supplement are implemented haphazardly to comply with existing regulation, without a deep understanding of their pedagogical function. (...)
Learning outcomes are vital if the system of easily readable and comparable degrees across Europe is to be based on the same nomenclature for degrees. Learning outcomes are still considered by many deans, professors and students as an accessory, but must become an intrinsic element of the pedagogical shift intended by the Bologna process."

Vamos deixar escapar esta oportunidade de participarmos na revisão do papel da instituição a que pertencemos, no modelo actual de sociedade?

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